Brasil na taça: Invadindo a Angheben

Sei que inverti a ordem das coisas quando falei primeiro da Barbera da Angheben para só depois escrever sobre o trabalho da vinícola. De qualquer forma, esse é o tema do post de hoje. Encarei essa viagem como de estudos, digamos assim, de observações técnicas. Meu objetivo era conversar com produtores, entender a realidade dos pequenos e provar vinhos difíceis de encontrar aqui em São Paulo. 

 
Por isso, mandei um email com antecedência e reservei meu horário na agenda do Eduardo, filho do Idalêncio, aquela figura cultuada entre os que fazem vinho, como comentei no texto anterior. Ele fez parte da 3a turma do 1o curso brasileiro de Enologia, que concluiu seus estudos no final da década de 1950.  O curso apenas formalizava sua prática profissional, já que Idalêncio cresceu no parreiral entre os vinhateiros da família, gente vinda da região hoje conhecida por Trento - na fronteira da Itália com a Áustria - e que de lá trouxe a cultura do vinho e das vinhas.
Idalêncio está aposentado da atividade de professor de viticultura do Centro Federal de Educação Enológica de Bento Gonçalves, onde lecionou por 33 anos. Nesse período, dividiu seu tempo entre vinícolas como Chandon e Aurora e ganhou a fama que até hoje o acompanha. Depois de décadas trabalhando para terceiros, em 1999 ele resolveu colocar-se à prova e estampar numa garrafa seu sobrenome. Dois anos depois, o mercado conheceu o primeiro rótulo da Angheben: um corte de Cabernet Sauvignon (45%), Merlot (45%) e Tannat (10%).
Como Idalêncio ainda está na ativa, se revezando entre a Angheben, palestras e consultorias, cabe ao Eduardo a tarefa de tocar os negócios da marca e o dia a dia da vinícola. Às 9h de um sábado, lá estava eu e três amigos na pequena cantina de onde saem os vinhos especiais dos quais vou falar. 
 
A Angheben poderia produzir 300 mil litros por ano, mas utiliza apenas 50% dessa capacidade, e não tem intenção de crescer. Não quer colocar em risco a qualidade que tanto preza. Foi por isso que todos aqueles tonéis de aço inox ficaram ociosos para a safra de 2009. Como as uvas colhidas aquele ano não atingiram o padrão esperado, foram vendidas para terceiros.
Os vinhedos próprios da Angheben ficam longe de onde as uvas são vinificadas, em Bento Gonçalves. Eu sempre ouvi dizer que bons vinhos são feitos de uvas plantadas ao lado da cantina. Mas o Eduardo garante que transporte adequado, criterioso, à noite, de uvas absolutamente sadias e maduras são soluções para a possibilidade de contaminação ou de fermentação prematura.
O legal dessa história toda é que a Angheben está amadurecendo junto com seu vinhedo. As terras de Encruzilhada do Sul, distante 250 km de Bento, não têm tradição vitivinícola e só começaram a ser exploradas 14 anos atrás, justamente por Idalêncio. Ele e o filho Eduardo vinham pesquisando as potencialidades da região desde 1996, também baseados em documentos 30 anos anteriores àquela data. Quando recebeu da Chandon a incumbência de buscar alternativas aos caros hectares da Serra Gaúcha, Idalêncio provou que a escolha por Encruzilhada não seria uma aventura. Implementou ali os vinhedos da multinacional de espumantes, mas enxergou para aquela terra outras vocações, em especial para tintos e brancos mais ácidos.  Essa constatação acabou por definir o caminho a ser trilhado pela Angheben
Para leigos como eu uma empreitada dessas poderia soar imprudente, se considerada a inexistência de referências anteriores. Mas estamos falando de dois estudiosos do tema, que não apenas fazem vinhos, mas entendem de terra, de videiras e de como o clima interfere sobre esses fatores. Não por acaso, a Angheben a plantou em Encruzilhada cultivares pouco convencionais para o Brasil. Vejam os vinhos que provei:

Gewürztraminer - Doze horas de maceração com as cascas a baixas temperaturas, para frear o início da fermentação. O objetivo é dar estrutura e complexidade ao vinho, mas sem extrair cor nem taninos. Mineral e floral, chega a lembrar os aromas da moscatel. Uma ardenciazinha no nariz me lembrou dedo-de-moça. Acidez alta, delicado, gostoso.

Pinot Noir 2012 - Morango no nariz e na boca e taninos macios. Muito leve e fácil de beber. 10% do vinho passou por carvalho americano, que deu a ele um toque de baunilha e domou sua adstringência. Um tempão depois, senti na taça aromas de erva mate seca, e defumada!

Barbera 2012 - falei no post anterior

Touriga Nacional 2008 - tantas coisas que tenho medo de falar besteira. Mas vamos lá: couro, guache (esse, admito, influenciada pela percepção do enólogo), balsâmico, algo de vegetal e alguma flor que não soube identificar qual, e que também senti ao beber o vinho. Acidez alta, adstringência média/alta. 50% do vinho descansou em madeira por sete meses. Para o meu gosto, só tem a ganhar com mais tempo de masmorra. Lá em Portugal, os patrícios que provaram a versão brasileira preferiram, claro, os feitos na terrinha.


Em compensação, os pesquisadores do Instituto San Michelle, do Trento, referência em educação e pesquisa de uva e vinho, rasgaram elogios ao Teroldego 2008, surpresos por ele ser mais encorpado do que os feitos na Itália. Eu também gostei! É intenso na cor, concentrado, com taninos aveludados. Exala notas de tabaco, couro, ameixa preta e baunilha. Precisa de um prato gordo para domar sua adstringência. Tenho mania de guardar um pouco do vinho para revisitá-lo na taça mais tarde, em busca de surpresas. E esse Teroldego ganhou notinhas de cacau. Ele e o Barbera são os vinhos mais prestigiados e comentados da vinícola. Quando abrir, posto um texto com foco na harmonização.

A referência da Angheben está no Velho Mundo, mas sem a pretensão e o objetivo de fazer algo parecido com o que se produz lá. Muito pelo contrário. Quer ser conhecida aqui pelas diferenças, peculiaridades e detalhes. Que história nova a vinícola construiria replicando vinhos de castas internacionais já tão massificadas mundo afora?

Num próximo post vou falar de um vinho secreto, ainda em fase de teste, que o Eduardo serviu pra gente, em primeira mão!

Roberta Pakas

Brasil na Taça: Barberizando!


Se tem um vinho que eu aprendi a gostar no último ano é dos feitos de Barbera. A maioria dos que provei era leve, frutado, bem ácido e com os taninos prontinhos, bem do jeito que eu gosto. Mas dependendo da proposta do produtor, é possível que a Barbera resulte em vinhos com mais corpo e potencial de guarda.
 Obviamente, minhas incursões pelo mundo da Barbera começaram pela Itália. As denominações de origem mais famosas são as D'Alba, D'Asti e Monferrato, mas só experimentei os vinhos feitos em Alba, a preços que variavam entre 20 reais e 95 reais. Todas essas comunas ficam no Piemonte, onde a Barbera é a uva mais plantada, mas a mais famosa e prestigiada é a Nebbiolo.

Essa introdução é para dizer que eu provei um Barbera brasileiro, melhor, até, do que muitos dos italianos que mencionei. Já tinha visto nos supermercados o feito pela Perini e, apesar da curiosidade, resisti a desembolsar 35 reais por ele.

Na Serra Gaúcha, mais especificamente em Bento Gonçalves, fui até a Angheben para uma conversa agendada dias antes com Eduardo, enólogo e filho do mítico Idalêncio Angheben, considerado por muitos o melhor enólogo e viticultor do país. No próximo post, detalhes da história da vinícola e sua linha de produtos.

Eduardo Angheben. O enólogo da vinícola
Contou o Eduardo que até a década de 60 tinha um monte de Barbera no Vale dos Vinhedos, mas eram videiras plantadas a esmo e não raramente atacadas por vírus e fungos. De seus frutos foram feitos os vinhos que detonaram a reputação da uva. Contrariando o histórico desanimador, a Salvati & Sirena foi a vinícola brasileira pioneira na produção de bons Barbera. Tempos depois a Angheben também incluiu a uva em seu portfólio. Os resultados, segundo o Eduardo, são a cada ano mais surpreendentes. A safra 2012 é a sétima de vinhos desta uva feitos pela Angheben, um número ainda pequeno para cravar a qualidade média dos Barbera produzidos na Serra Gaúcha. Mas foram justamente os comentários entusiasmados sobre este vinho que me levaram até a vinícola.

40% do líquido estagiou em barricas americanas de segundo e terceiro usos, entre seis e sete meses. Esse tempo não é fixo, mas determinado por degustação. No nariz, os aromas defumados e de baunilha se mesclam ao frescor de frutas como morango, ameixa e cereja. Já que o Eduardo nos serviu vários vinhos, pude voltar na taça uns 40 minutos depois e notar que ela tinha sido invadida por um incrível perfume de tomate confitado. As frutas se percebem na boca também. O vinho tem persistência média e é mais encorpado do que os Barbera italianos que experimentei, e com uma acidez marcante que dá a ele até oito anos de adega.

Em casa, eu, que costumo mudar de opinião em relação aos vinhos que provo, só consegui gostar ainda mais do Barbera da Angheben. O prato que fiz para acompanhá-lo, de tão bom que ficou, deveria entrar para o hall das harmonizações clássicas: Sauternes com Foie Gras; Chablis com Ostras; Barolo com Ossobuco; Tannat com Cassoulet; Barbera com Nhoque de Mandioquinha submerso num molho de tomate, berinjela defumada e ricota, com bastante queijo e manjericão fresco.


Roberta Pakas

Brasil na Taça: Harmonizando com Estrelas do Brasil


Um espumante Nature que, no nariz e na boca, lembra aqueles vinhos envelhecidos em barris e com leve toque de oxidação, tipo Jerez, alguns fortificados e brandies. Some-se a isso a austeridade dos espumantes "zero açúcar" e temos um vinho que pode ser definido como de difícil compreensão e que precisa de uma certa dose de boa vontade do bebedor. 


O Estrelas do Brasil Nature 2007 foi feito pelo método tradicional e leva Chardonnay, Pinot Noir, Riesling Itálico e Viognier. A perlage exemplarmente pequenininha se debateu loucamente na taça por mais de 10 minutos em meio ao líquido tão dourado quanto o de cerveja pilsen. No nariz ainda mel, nozes e manteiga. Na boca é um escândalo de confuso! O General teria recuado não fosse minha insistência no conceito "experiência". Um detalhe importante é que eu gosto do Jerez Fino, ele não!
Mousse gorda, cremosa; acidez na medida; vinho compriiiido... Admitindo minha pouca experiência, diria que este é um espumante no mínimo especial e que seguramente recomendaria a um amigo. Mas diria a esse amigo que não se deixasse levar pelo o que está lendo e que não reclamasse por não sentir nada do que eu senti.


Irineo Dall'Agnol, o enólogo trabalhando em rede
É bom mencionar que o pai da criança, Irineo Dall'Agnol, discorda do meu jeito de ver seu vinho. A percepção é pessoal, o vinho não é consensual e ele sabe disso. Muito elegantemente, o enólogo opinou que o que eu entendi por "fortificado" e "oxidado" ele leu como "casca de laranja cozida". Explicou ainda que o vinho tem aromas terciários em profusão, que são fruto dos 60 meses que maturou sobre as leveduras.


Harmonizando Estrelas
Eu sabia que não seria um espumante fácil e por isso arrisquei harmonizá-lo com algo pesado para um vinho do gênero: um risoto de camarão com tudo o que dele é de direito: um poderoso e verdadeiro caldo de peixe, manteiga, parmesão e páprica picante. Finalizei com manjericão e tomatinho cereja. E não é que ficou bom! O espumante tinha a estrutura e acidez necessárias para segurar a untuosidade do prato.

Para deixar os leitores do BK ainda mais tentados, o Anuário Vinhos do Brasil 2013 deu ao Nature 2007 Champenoise de Estrelas do Brasil a melhor nota (91) dentre as 554 amostras de vinhos nacionais enviadas por 85 vinícolas.


Essa joiazinha custa 80 reais, e quem quiser "experienciá-la" terá de ligar para o Irineo e pagar pelo frete. Ou ir à Bento Gonçalves e buscá-la das mãos do autor, como eu fiz.


Roberta Pakas

Invadindo Temecula - parte 3

A vinícola Falkner situa-se no alto de um morrinho bem próximo da Rancho California Rd. Seu restaurante, o Pinnacle, fica bem na beirinha do topo dessa morro. Local privilegiado realmente. Entramos e dissemos que iriamos fazer a degustação da casa, que ficava em frente, e voltaríamos em seguida.
 Na movimentada sala de degustação da Falkner, fomos atendidos por uma Colombiana simpática (também esqueci o nome). Pedimos apenas uma degustação e ela nos deu 3 taças. Imagine o quanto daria uma dose pequena de degustação dividida por três. Bem, ela não nos deixou imaginar, sendo bem generosa. Os vinhos da Fletcher são mais porradeiros, remetendo mais aos sul-americanos, o que agradou de imediato ao Polaco. E são bons. Quase todos os que nos foram servidos estavam bem redondinhos. Acabamos ganhando (ou comprando, já não me lembro também) uma bela taça da casa.

Voltamos para o Pinnacle, já bem vazio. Sentamos perto das janelas.

Com uma vista magnífica, pedimos os pratos e conversamos um pouco com a garçonete que nos servia. Ao saber que éramos brasileiros, engatou o assunto Copa do Mundo e nos disse que o chef do Pinnacle é um italiano tão louco por futebol que vinha todo dia trabalhar com a camisa do Milan por baixo do avental.
Pedi um dos meus pratos favoritos na América: pasta com "seafood". 18 Obamas. E uma taça do Chadornnay da Fletcher pra acompanhar. A garçonete vai até a cozinha com os pedidos e, minutos depois, sai de lá um sujeito com uma camisa rossonera e avental que vem até nossa mesa. Muito simpático, o Senhor Gianni conversou um bom tempo conosco sobre futebol. Milan, Robinho, Kaká, Copa no Brasil, Seleção italiana, Balotelli etc. A gente pensa que o brasileiro é o povo mais fanático por futebol no mundo e, ao viajar por ele, aprendemos que tem gente igual ou pior!

A comida estava excelente e o chardonnay amanteigado era exatamente o que eu esperava.


Partimos para a tal South Coast, que seria nossa primeira parada e acabou sendo a última. Belíssima propriedade. Estrutura de primeira e bastante gente no enorme salão de degustação. Pedimos apenas uma degusta, que dividi com o Polaco. Doutor só ia "na boa", poupando-se. A South Coast tem vinhos que, àquela altura, já não empolgavam. O que mais agradou,como não podia deixar de ser, foi o Zinfandel, do Vale de Cucamonga (já provamos um Zin de lá aqui). Esse o Doutor não dispensou. Quando viu que éramos três, o rapaz que nos servia também foi generoso. Eu achei que as outras vinícolas, de um modo geral, tinham caldos mais interessantes. Mas valeu a visita.

Fechamos assim com 5 vinícolas "invadidas" em Temecula. Excelente aproveitamento. E ainda ficou uma vontade de "quero mais".



Melhor... Assim a gente acaba voltando um dia. Quem sabe?




  B.         K.          7.          2.

Invadindo Temecula - parte 2

Depois de longa pesquisa, decidimos que iríamos de carro. Com Doutor de piloto, prometendo pegar leve. Nossa outra opção seria um tour que nos levaria a 3 ou 4 vinÍcolas e almoçaríamos uns sanduíches. Não era nossa idéia...

Antes de sairmos, reservei pela internet uma mesa no restaurante da vinícola South Coast Winery, que é uma das principais e cuja localização era estratégicamente boa pra nós. A partir dela, poderíamos visitar outras duas vinícolas próximas a pé. A princípio, esse era o plano.

Pegamos o carro e seguimos pela Rancho California Road, bela rodovia que é cercada pelas tais vinícolas de Temecula. Já estávamos passando por algumas, quando resolvemos parar em uma delas, pois o local era muito bonito. Havia um morrinho na parte superior, todo plantado. Havia outra propriedade ao lado, também muito bonita, de outra vinícola. Fomos nas duas.

A Primeira era a Baily. Muito arrumadinha. Como chegamos cedo, por volta das 10:00h, fomos os primeiros clientes do dia. Pedimos duas degustações, já que o Doutor estava de castigo. Os vinhos eram decentes. Mas com acidez um pouco acima do ponto e/ou tânicos demais, sugerindo bom potencial de guarda. Abrimos com um Riesling. Americano faz Riesling meio docinho. Até gostoso, mas não é o que esperamos num Riesling. O melhor vinho da vinícola era o M&M. Corte inusitado e certeiro de Merlot com Malbec. 50-50. Antes de sairmos, conhecemos o simpático enólogo. Contei que nós brasileiros, assim como os americanos, consumimos muito Malbec.

Partimos para a vinícola ao lado, que dava pra ir a pé. Europa Village Winery. Também muito bonita. A área externa tinha um jardim que parecia cenário de um conto de fadas. Os vinhos tinham uma pegada totalmente diferente. Bem mais leves. Se na anterior havia influência da Argentina, nessa, a Espanha e a Itália eram a referência. Tempranillo era o melhor. Bons vinhos. Mais elegantes e prontos pra consumo.

Seguimos pela nossa estrada encantada e paramos na Bellavista. A mais antiga da região de Temecula. Fomos atendidos por uma senhora húngara muito simpática. O salão de degustação era enorme. Pegamos duas degustas de 10 Obamas cada. Com direito a uns petiscos. Os vinhos foram uma bela surpresa. O mais novo era de 2004. O lance da Bellavista é só oferecer vinhos já com alguma evolução. Todos eram bem bons. E em todos podíamos sentir essa característica. 
No final, veio um "port". Não é a primeira vez que vemos isso na Americolândia. Bem, era doce... Mais melado que um Porto normal. A simpática húngara (infelizmente não anotei seu nome) conversou bastante conosco. Tanto que nos indicou um outro restaurante para o almoço. O Pinnacle, na vinícola Falkner. "O restaurante da South Coast é muito caro e não é tão bom. O Pinnacle ainda tem uma vista incrível".


Ok, partiremos então para a Falkner e daremos um bolo na South Coast na terceira parte da nossa invasão. Não perca!




B.     K.     7.     2.

Invadindo Temecula - parte 1

Uma feliz coincidência fez com que fosse possível uma nova invasão à uma região vinícola americana em novembro passado. Mais uma vez, eu tinha meu congresso anual na Califórnia nessa época. E o Doutor, tinha um congresso em Dallas. Aproveitamos então para convencer o Polaco a ir conosco, com a prerrogativa de que, após os compromissos profissionais, invadiríamos Temecula.


Essa é uma região vinícola relativamente nova que fica ao sul da califórnia. Longe das famosas, mais ao norte. Pra se ter uma idéia de sua localização, a cidade de Temecula fica, indo para o sul, a uma hora de carro de Anaheim, a cidade onde fica a Disney californiana. A cidade de Temecula possui aproximadamente 100 mil habitantes, uma estrutura para turismo bem razoável. Existe um bom número de hotéis, porém são poucas as opções de tours pelas vinícolas.
 
Eu nunca tinha ouvido falar da região de Temecula. Quem me alertou para sua existência foi o Sr. Woody, que já começava a ouvir coisas boas a respeito do local. O Sr. Andy mesmo ja esteve por lá num curtíssimo período.
Comecei a pesquisar então sobre a região, que produz de tudo! Não tem uma uva ou um estilo em particular que lhe traga algum hype fácil. Reservei um hotel próximo a Old Town Temecula. Um centrinho com arquitetura toda no estilo do velho Oeste. Muito bonitinha a rua principal. Vários estabelecimentos com Wine tastings. O único grande problema da cidade seria, imagino eu, os ataques de zumbis à noite. Pois às 9:00 PM nada mais funcionava em Old Town Temecula.

Às 10:00PM era impossível pegar um restaurante aberto e já seria possível ver os rolos de feno atravessando a rua. Creio que às 11:00PM são iniciados os tais ataques zumbis. Não pagamos pra ver. Doutor não quis se arriscar e ficou no hotel. Eu e Polaco achamos uma lojinha que fazia pizzas na hora e pegamos uma. Chegamos no quarto às 10:15PM com nossa pizza de pepperoni debaixo do braço. Uma boa margem de segurança...

 
Na segunda parte, começaremos os trabalhos propriamente ditos. Visitando as vinícolas da região.

B.  K.  7.  2.

Brasil na Taça: O Pinot Noir da Aurora


Neste segundo post sobre vinhos brasileiros vou falar um pouco do Pinot Noir 2013, da Aurora. A vinícola, aliás, foi a grande surpresa da visita que fiz recentemente à Serra Gaúcha. Antes dessa experiência, por absoluto preconceito, jamais compraria vinhos daquela que assina o Sangue de Boi e o Saint Germain.
Provei oito excelentes rótulos, incluindo espumantes, brancos e tintos. Mas os grandes daquela manhã foram o Chardonnay 2012 e o Pinot Noir 2013, resultado do trabalho que vem sendo desenvolvido em Pinto Bandeira, uma região próxima à Bento Gonçalves na qual a Aurora tem apostado alto e que é uma das quatro Indicações de Procedência (IP) já atribuídas aos vinhos finos brasileiros.
A vantagem de estar no topo da serra (730 metros de altitude) e distante 100 km da costa é que as videiras sofrem a incidência das correntes marítimas durante todo o dia, e isso as deixa livre da umidade e, portanto, de doenças fúngicas. Outro detalhe é que apenas entre 30 e 50 centímetros separam a superfície do solo das rochas basálticas de origem vulcânica que caracterizam o terreno da região, responsáveis pela mineralidade dos vinhos produzidos ali. 
É o que diz o enólogo André Perez Jr, contrariando alguns geólogos que recentemente passaram a defender que o que se percebe como mineralidade num vinho não vem do solo. Comprovado isso, imaginaem se os produtores de Chablis tiverem de mudar seu discurso centenário! 
As grandes variações de temperatura, própria dos climas de altitude, com noites frias e dias quentes, contribuem para a maior concentração de aromas da fruta. Também favorecem uma maturação gradual e lenta, fazendo com que os teores de ácidos e açúcares cheguem altos no momento da colheita, o sonho de todo enólogo. 
As 6500 garrafas de Pinot da safra 2012 acabaram em dois meses e meio. A que provei era uma das 10.000 produzidas em 2013, ainda disponível no mercado por 38 reais. Um sommelier experiente que participava da mesma degustação comparou aquele Aurora a grandes franceses da Borgonha, chamando atenção para o enorme potencial de guarda dele.
Inspirada pelo discurso e pelo preço de 25 reais, coloquei dois Pinot desses na mala. Em casa, o vinho não me provocou a mesma empolgação. Sim, eu acredito que circunstância e estado de espírito possam motivar percepções diferentes do mesmo vinho. E naquele dia, em meio àquele cenário, eu tava tão feliz! Dos três meses de carvalho o vinho herdou aromas defumados, de chocolate e especiarias. As frutas vermelhas estavam lá, no nariz e na boca. Mas me pareceram maduras demais. Ele já não era tão elegante quanto da primeira vez. No tripé que dita o equilíbrio, os taninos saíram na frente da acidez e do álcool (12,5%). Será que melhoraria se eu o tivesse decantado? 

Enfim, tem outro ali na masmorra, como diz o BK. O tempo me dirá e eu vos direi. 


Roberta Pakas 

Brasil na Taça: A Ancellotta do novo mundo


Demorou, mas saiu o post que há meses venho ensaiando escrever. Vamos ver se consigo postar com a mesma regularidade com que bebo. Para quem não me conhece, sou amiga do BK e do Samurai, jornalista, enófila e, justo por isso, sommelière, recém-diplomada.
Vou usar esse espaço já consagrado para falar, principalmente, das boas experiências que venho tendo com vinhos brasileiros. Neste blog pelo qual desfilam tantos rótulos bacanas eu acho que os brasucas não vão passar vergonha. Mas não me calarei, claro, diante dos gringos com os quais aprendi a gostar de vinho.
Diferentemente do que acontece, por exemplo, no Chile, a maioria dos vinhos brasileiros de qualidade não é produzida em escala industrial, daí, mas não só,  os preços que nos fazem titubear entre investir num nacional ou num importado. Seja por falta de referência ou reputação, quem arriscaria 35 reais num Chardonnay da Aurora, a mesma do Sangue de Boi, se ele dividisse prateleira com qualquer exemplar chileno de mesmo preço?
Apesar do evidente preconceito, percebo cada vez mais gente disposta a experimentar o vinho brasileiro motivada, entre outras razões, pelos elogios que vêm de fora, em especial dirigidos aos espumantes.
Vinho nacional nunca foi assunto lá em casa, sequer para ser achincalhado. É como se ele não existisse. Confesso que o "clique" foi dado durante uma viagem que fiz à Serra Gaúcha, onde visitei umas dez vinícolas. Empolgada, trouxe na mala, do "Brasil para o Brasil", 20 garrafas, entre as quais a de um Don Laurindo Ancellotta Reserva 2009. O General também pode falar sobre ele.
Dono e enólogo da vinícola, Ademir Brandelli é daqueles caras que, de tão confiantes no que fazem, carregam um certo ar arrogante. Ele recebeu a mim e a amigos na propriedade da família, que contempla residência, vinhedos e vinícola. Depois de cruzar a área que abriga os tonéis de aço inox, os barris de carvalho e a fria adega de pedra subterrânea, chegamos à lojinha onde degustaríamos seus vinhos. Eu consegui o feito de levar uma câmera sem cartão de memória dentro, logo, não tenho uma foto sequer.
Brandelli se gaba dos 15 hectares de vinhedos próprios e da relação íntima que tem com seu terroir. Contou cheio de orgulho que a colheita de todas as uvas é manual, seletiva e que 30 minutos depois de retiradas do pé elas já estão a caminho da "cantina", para que não que fermentem antes da hora ou sejam contaminadas. Ele também exibe como trunfo o fato de não fazer nenhum tipo de correção de álcool ou acidez em seus vinhos, prática permitida pela legislação brasileira. Por fim, não parece se importar em fazer vinhos para agradar o freguês. Está certo de que o que faz é muito bom, e que entende de vinho aquele que gosta do que ele faz. Simples assim.
Na vinícola, a terceira do dia, provamos cerca de 10 rótulos. Aliás, nessa viagem estabeleci fortes laços com aquele objeto estranho chamado cuspideira. A degustação custará 15 reais ao visitante que não levar nada. Eu trouxe duas garrafas, uma delas da uva Ancellotta, uma cepa italiana usada principalmente em lambruscos e que tem se adaptado muito bem à Serra Gaúcha.

Bom, vamos à garrafa de número 167 das 3000 produzidas. Deixei o Reserva 2009 decantando por 20 minutos, também para que os aromas se abrissem, mas principalmente pelo fato de o vinho não ter sido filtrado. Nenhum Don Laurindo é. Será que isso tem alguma relação com aquele super rubi brilhante que só o 3D conseguiria pintar? E o que era aquela geleia de frutas vermelhas maduras em estado líquido! O contra rótulo diz que esse Ancellotta é "de guarda". Um site especializado em vinhos brasileiros sugere consumi-lo em 5 anos. Voilà! Por isso os taninos e a acidez estavam mais bem casados do que jorge Amado e Zélia Gattai. Um vinho de corpo médio que coube direitinho nos 12% de álcool que tem, contrariando a ideia de que quanto mais etanol melhor. E o tempo em taça fez muito bem a ele, que ganhou umas notinhas de menta e uns aromas meio rústicos que me lembraram vinhos italianos mais evoluídos.


A conclusão é de que o vinho é bem bacana, apesar de 46 reais não ser o preço que eu gostaria de pagar.  Isso tira dele a chance de ocupar minha adeguinha como opções para o dia a dia. De qualquer forma, valeu cada centavo a experiência de provar um vinho artesanal e quase único no mundo, considerando o fato de ele ser 100% Ancellotta. Nem na Itália, seu berço, a uva é tão bem tratada quanto aqui, sendo usada apenas como coadjuvante em vinhos de corte.


Roberta Pakas