Brasil na Taça: A Ancellotta do novo mundo


Demorou, mas saiu o post que há meses venho ensaiando escrever. Vamos ver se consigo postar com a mesma regularidade com que bebo. Para quem não me conhece, sou amiga do BK e do Samurai, jornalista, enófila e, justo por isso, sommelière, recém-diplomada.
Vou usar esse espaço já consagrado para falar, principalmente, das boas experiências que venho tendo com vinhos brasileiros. Neste blog pelo qual desfilam tantos rótulos bacanas eu acho que os brasucas não vão passar vergonha. Mas não me calarei, claro, diante dos gringos com os quais aprendi a gostar de vinho.
Diferentemente do que acontece, por exemplo, no Chile, a maioria dos vinhos brasileiros de qualidade não é produzida em escala industrial, daí, mas não só,  os preços que nos fazem titubear entre investir num nacional ou num importado. Seja por falta de referência ou reputação, quem arriscaria 35 reais num Chardonnay da Aurora, a mesma do Sangue de Boi, se ele dividisse prateleira com qualquer exemplar chileno de mesmo preço?
Apesar do evidente preconceito, percebo cada vez mais gente disposta a experimentar o vinho brasileiro motivada, entre outras razões, pelos elogios que vêm de fora, em especial dirigidos aos espumantes.
Vinho nacional nunca foi assunto lá em casa, sequer para ser achincalhado. É como se ele não existisse. Confesso que o "clique" foi dado durante uma viagem que fiz à Serra Gaúcha, onde visitei umas dez vinícolas. Empolgada, trouxe na mala, do "Brasil para o Brasil", 20 garrafas, entre as quais a de um Don Laurindo Ancellotta Reserva 2009. O General também pode falar sobre ele.
Dono e enólogo da vinícola, Ademir Brandelli é daqueles caras que, de tão confiantes no que fazem, carregam um certo ar arrogante. Ele recebeu a mim e a amigos na propriedade da família, que contempla residência, vinhedos e vinícola. Depois de cruzar a área que abriga os tonéis de aço inox, os barris de carvalho e a fria adega de pedra subterrânea, chegamos à lojinha onde degustaríamos seus vinhos. Eu consegui o feito de levar uma câmera sem cartão de memória dentro, logo, não tenho uma foto sequer.
Brandelli se gaba dos 15 hectares de vinhedos próprios e da relação íntima que tem com seu terroir. Contou cheio de orgulho que a colheita de todas as uvas é manual, seletiva e que 30 minutos depois de retiradas do pé elas já estão a caminho da "cantina", para que não que fermentem antes da hora ou sejam contaminadas. Ele também exibe como trunfo o fato de não fazer nenhum tipo de correção de álcool ou acidez em seus vinhos, prática permitida pela legislação brasileira. Por fim, não parece se importar em fazer vinhos para agradar o freguês. Está certo de que o que faz é muito bom, e que entende de vinho aquele que gosta do que ele faz. Simples assim.
Na vinícola, a terceira do dia, provamos cerca de 10 rótulos. Aliás, nessa viagem estabeleci fortes laços com aquele objeto estranho chamado cuspideira. A degustação custará 15 reais ao visitante que não levar nada. Eu trouxe duas garrafas, uma delas da uva Ancellotta, uma cepa italiana usada principalmente em lambruscos e que tem se adaptado muito bem à Serra Gaúcha.

Bom, vamos à garrafa de número 167 das 3000 produzidas. Deixei o Reserva 2009 decantando por 20 minutos, também para que os aromas se abrissem, mas principalmente pelo fato de o vinho não ter sido filtrado. Nenhum Don Laurindo é. Será que isso tem alguma relação com aquele super rubi brilhante que só o 3D conseguiria pintar? E o que era aquela geleia de frutas vermelhas maduras em estado líquido! O contra rótulo diz que esse Ancellotta é "de guarda". Um site especializado em vinhos brasileiros sugere consumi-lo em 5 anos. Voilà! Por isso os taninos e a acidez estavam mais bem casados do que jorge Amado e Zélia Gattai. Um vinho de corpo médio que coube direitinho nos 12% de álcool que tem, contrariando a ideia de que quanto mais etanol melhor. E o tempo em taça fez muito bem a ele, que ganhou umas notinhas de menta e uns aromas meio rústicos que me lembraram vinhos italianos mais evoluídos.


A conclusão é de que o vinho é bem bacana, apesar de 46 reais não ser o preço que eu gostaria de pagar.  Isso tira dele a chance de ocupar minha adeguinha como opções para o dia a dia. De qualquer forma, valeu cada centavo a experiência de provar um vinho artesanal e quase único no mundo, considerando o fato de ele ser 100% Ancellotta. Nem na Itália, seu berço, a uva é tão bem tratada quanto aqui, sendo usada apenas como coadjuvante em vinhos de corte.


Roberta Pakas

3 comentários:

BK72 disse...

Minha cara Roberta Pakas, seja muito bem-vinda ao WineLeaks!

Muito obrigado pela contribuição e espero que tenha muitos outros posts guardados aí.

Feliz 2014 pra todos nós!

Bjs

Anônimo disse...

Vi esse post há muito tempo no notebook da Roberta, que teimava em não postar. Finalmente, decidiu-se. Ainda bem!

Ela escreve um bocado (e bem!) e vai aliviar o meu lado, que por razões de trabalho, acabei nunca mais postando. Vou fazer um cameo aqui outro ali nos posts dela. Só pra matar a saudade. Além do mais, o que ela tem lido sobre vinhos não é brincadeira!

Bem-vinda ao Wineleaks!
General

Anônimo disse...

Obrigada, BK, pelas boas-vindas! Espero que alguns dos próximos posts sejam fruto de vinhos que bebamos juntos. Ao senhor General agradeço pelos elogios, mas ele os usa para desviar a atenção do que considero mais importante: seus próprios textos. General tem na manga uma "invasão ao Chile". Além disso, assumiu publicamente a responsabilidade de escrever sobre o vinho mais icônico que tomamos juntos (BK e Samurai estavam presentes): o Margaux 1996. Esse foi a cereja do bolo de um dia que teve portugueses do Douro e do Alentejo, Barolo, Amarone e Sauternes. Vale e pena encher o saco dele.
Bj, Roberta Pakas