Uma chance em uma vida: um vinho Tailandês


Existem dois conceitos importantes que dizem respeito ao mundo do vinho.
Um deles é o ocidental "custo de oportunidade". E se em economia, expressa o custo de algo em termos de uma oportunidade renunciada, acho que quando transposto pros vinhos é "não deixar pra trás aquela garrafa incrível num lugar aonde vamos pouco só porque estava cara".
Era justamente sobre esse Dom Perignon 2002 - que a patroa achou além da conta no free shop - que eu estava pensando, quando um grupo de jovens vestidos de estudantes invadiu a estação de trem Hua Lamphong, em Bangkok, e abruptamente começou a tocar um rock bacaninha, gravando um videoclipe.
Eu sabia que, 17 horas depois, perto da fronteira com a Malásia, as minhas chances com um vinho bacana seriam muito mais remotas. E o custo de oportunidade parecia o grilo falante, sentado em meu ombro, me dando um baita remorso.


Uns dias depois, já meio conformado, consolado pela beleza da ilha onde estávamos - longe dos densos cardumes de turistas de Phuket e Phi Phi - andava por uma ruazinha (a maior "avenida comercial" do lugar), quando vi uma garrafa de um vinho tailandês! E pela exorbitância de 650 bahts (preço de praia remota - uns 36 reais), valeria a experiência, qualquer que fosse o resultado.
 E aí vai o segundo conceito: "Ichi go, ichi ê" (一期一会). Algo como "um tempo, um encontro" ou a "uma chance em uma vida". É uma expressão que veio da cerimônia do chá japonesa, atribuida ao mestre de chá Sen no Rikyuu, que foi o mestre de chá tanto de Oda Nobunaga, o xogum que iniciou a unificação do Japão no século XIV, quanto de Toyotomi Hideyoshi, seu sucessor, que efetivamente unificou o país.

Eu já tinha uma ideia prática do "Ichi go ichi ie" nos vinhos, quando ouvia o Vitor Lotufo, da gostosa Cantina Matterello , na Vila Madalena, falar nas excelentes degustações de terça à noite sobre a importância de uma companhia ou ocasião excepcional pra acompanhar um vinho excepcional. Nesse caso, era o contrário. Não era um vinho excepcional, a não ser pela origem exótica. Mas era uma oportunidade única.

Com esse espírito, levei já refrescada a garrafa do Naga Siam White Blend 2010 ao "restaurante" (uma casa de madeira e sapê de um pescador). Um corte de chenin blanc e colombard. Beleza. Um vinho branco ácido e fresco tem tudo pra combinar com frutos do mar recém-colhidos, e as especiarias fortes e picantes da culinária tailandesa. Sem falar no calor "carioca".
Além de um peixe e lula frescos com o tempero local, pedimos uma tradicional e picante salada de papaia. Talvez por estar além da temperatura própria de serviço, o Naga Siam White não estava nos seus melhores dias.
Se já é difícil e até pouco esperado achar qualquer kung fu num branco, esse aqui não tinha sequer uma ponta de muay thai. Na verdade, se fosse um tantinho mais fraco, poderia ser vendido como água mineral. Ficou tão constrangido no meio dos pratos rústicos, que nem considero um knock out no primeiro assalto. Foi W.O. mesmo! Felizmente pra ele, os dois conceitos citados anteriormente estavam tão frescos em minha cabeça que nem a ausência do vinho atrapalhou a degustação!

Era uma oportunidade única, com a companhia perfeita. Foi, assim, o melhor vinho ruim que já tomei na vida.

General

4 comentários:

BK72 disse...

A vida é mesmo feita de oportunidades...

E que grande oportunidade temos aqui de poder ler seus belos relatos, General.

Deu até vontade de tomar uma taça, ou copo mesmo, de um belo Naga Siam! Mas nas mesmas condições, claro.

Grande abraço!

Felipe Manhães disse...

Ual, só de saber q a Tailândia produz vinhos já vale uma prova... mesmo q seja pra falar mal =)

BK72 disse...

Concordo plenamente.

Existe pelo menos um motivo e meio pra se provar um vinho desses. Já que sempre há 50% de chances de ser um bom vinho.

doutor disse...

Foi dar ouvidos à mulher...
Quando ela for comprar uma bolsa, vc traz uma tailandesa pra ela.